O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgou nesta sexta-feira (6/9) o que aconteceu minuto a minuto durante queda do avião da Voepass em Vinhedo (SP) em 9 de agosto, conforme relatório preliminar da entidade, órgão da Aeronáutica que faz investigação de acidentes aéreos.
Além do acendimento do alarme de gelo três vezes, o copiloto comentou que havia “bastante gelo” antes do acidente, segundo a gravação da conversa no cockpit do avião. Mas a entidade não confirmou que essa foi realmente a causa.
A queda do avião matou todas as 62 pessoas a bordo: 58 passageiros e 4 tripulantes. A aeronave tinha saído de Cascavel (PR) com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP). O caso foi o maior acidente aéreo do Brasil desde a queda do avião da TAM em Congonhas (SP) em 2007, quando 199 pessoas morram.
Em coletiva de imprensa na sexta-feira, um mês após o acidente, o Cenipa divulgou detalhes da investigação e o tenente-coronel Paulo Mendes Fróes, investigador encarregado do caso, afirmou que o relatório inicial aponta o que aconteceu, mas a análise das causas ainda está sendo feita – a investigação continua em andamento.
O Comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Marcelo Damasceno, informou que os familiares das vítimas foram atualizados sobre as descobertas da investigação antes da divulgação para a imprensa.
O acidente minuto a minuto
Segundo o Cenipa, a aeronave estava com a manutenção em dia, com a última checagem diária realizada antes do primeiro voo do dia 9 de agosto, como praxe; e a última grande intervenção de manutenção, em julho de 2013.
Toda a tripulação era habilitada e capacitada para o voo.
No último registro da manutenção da nave, diz o Cenipa, um equipamento do motor esquerdo não estava funcionando, mas isso não impossibilitava o voo.
No entanto, no caso desse equipamento não estar funcionando, há uma série de requisitos que precisam ser seguidos.
Entre eles estão um limite de altura de 17 mil pés e um cálculo de combustível como se o voo estivesse a 10 mil pés. O Cenipa afirmou que a investigação inicial mostrou que o avião manteve essa altura máxima durante o trajeto.
No dia 9 de agosto, a previsão do tempo que estava disponível no momento da decolagem mostra que havia previsão de gelo severo na rota do avião e imagens de satélites mostram que as condições meteorológicas durante o voo favoreceram a formação de gelo.
O voo decolou de Cascavel com atraso, às 11h51, e fez o trajeto sem que o avião reportasse incidentes para o controle de voo.
Durante o trajeto, no entanto, a aeronave teve problemas com a formação de gelo.
Os investigadores analisam a hipótese de ter acontecido um fenômeno chamado “supercooled large droplet ice“, quando uma camada de gelo se forma a partir de gotículas de água muito gelada e se espalha por partes do avião – e, no caso, da asa.
O fenômeno é um dos perigos de quando se voa em condições propícias à formação de gelo.
Segundo a entidade, a aeronave tinha uma série de sistemas de detecção, proteção e alarme contra formação de gelo e havia uma série de procedimentos previstos, caso os alarmes fossem acionados.
Às 12h15, durante o trajeto, a luz de detecção de gelo acendeu pela primeira vez. O alarme de gelo acendeu mais duas vezes antes do piloto perder o controle do voo.
Às 13h18 aeronave informou ao controle de voo de São Paulo que estava no ponto ideal de descida, mas o controle instruiu a aeronave a manter a altitude (17 mil pés), ou seja, a aeronave não estava autorizada a descer.
Isso é normal e pode acontecer em diversos voos. Segundo o Cenipa, o motivo nesse caso foi o tráfico, ou seja, a descida de outra aeronave no mesmo espaço aéreo.
Às 13h18 também foi o momento em que o alarme de gelo acendeu pela terceira vez e permaneceu ligado até a perda de controle.
Registro do gravador do cockpit mostra que o copiloto afirmou que havia “bastante gelo” no avião.
Segundo a entidade, registros de um gravadores do cockpit mostram que um dos tripulantes comentou que poderia haver falha em um dos sistemas de detecção de gelo, mas isso não foi confirmado pelo registro de dados e pelos outros sistemas de gravação.
Às 13h20 o controle central de avião em SP autorizou o avião da Voepass a desviar para uma outra posição aérea, para aguardar o pouso, e o avião começou a fazer a curva.
Em menos de 2 minutos, o controle autorizou o avião a fazer a descida.
Às 13h21, no entanto, o controle perdeu o contrato com a aeronave. Em nenhum momento houve aviso de emergência por parte do avião.
Nesse momento, o avião entrou em parafuso e fez cinco voltas antes de colidir com o chão, às 13h22.
O Cenipa informou que sua equipe continua a investigação.
Registro do gravador do cockpit mostra que o copiloto afirmou que havia “bastante gelo” no avião.
A aeronave
O avião da Voepass que caiu tinha 14 anos de fabricação, mas foi comprada pela Voepass apenas em 2022. Tinha capacidade de 68 passageiros.
Era de um modelo conhecido no mundo da aviação por sua capacidade de operar em aeroportos de pista curta e de difícil acesso no Brasil e em outras partes do mundo, especialmente na Ásia.
O avião que caiu em Vinhedo era do modelo ATR 72-500, um turboélice regional desenvolvido pela empresa franco-italiana ATR.
A empresa é uma joint venture entre um braço da Airbus e a empresa italiana Leonardo, que atua no ramo de transportes aéreos e ferroviários.
Ele pertence a uma “família” de aeronaves conhecida como ATR-72. De acordo com a companhia, pelo menos 1 mil aeronaves desse tipo já foram vendidas em diferentes configurações.
No Brasil, aeronaves como o ATR-72-500 vêm sendo utilizadas em voos comerciais mais curtos e operando em aeroportos de pequeno e médio porte, como aqueles localizados no interior do Paraná, São Paulo e Estados do Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
De acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), além da Voepass, aeronaves fabricadas pela ATR também são utilizadas por companhias como Azul Linhas Aéreas e Total Linhas Aéreas.
Apesar de ser tido como confiável em aeroportos de pequeno e médio portes, acidentes envolvendo aeronaves da ATR fizeram com que o governo de Taiwan chegasse a suspender, temporariamente, os voos de aviões dos modelos ATR-72 e ATR-42, uma outra família de aeronaves da fabricante europeia.
Em julho de 2014, um avião do modelo ATR-71-500 operado pela TransAsia Airways caiu ao se aproximar do aeroporto de Magong, em Taiwan. Das 58 pessoas a bordo, 48 morreram.
Os relatórios sobre o primeiro caso apontaram que o acidente foi causado por uma combinação de falha humana e condições climáticas severas.
Sete meses depois, em fevereiro de 2015, um outro acidente, desta vez com um ATR-72-600, também abalou Taiwan. Pouco depois de decolar da capital, Taipei, o avião perdeu força e caiu sobre um viaduto antes de chegar a um rio. Das 58 pessoas à bordo, 15 sobreviveram.
Nesse, as causas prováveis do acidente foram uma falha no funcionamento de uma das turbinas associada a falhas na condução do problema por parte da tripulação.
Logo após esses acidentes, a Autoridade Civil Aeroespacial de Taiwan, responsável por regular a aviação civil no país, suspendeu os voos envolvendo aeronaves semelhantes.