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  • Author, Debra Dennett
  • Role, BBC Future

Meus irmãos e eu sempre sabíamos quando nosso irmão do meio vinha visitar meus pais. Minha mãe servia pequenas tigelas de coquetel de camarão como um aperitivo especial.

“Filho pródigo”, nós protestávamos, levemente irritados porque nunca tínhamos aquele tipo de tratamento privilegiado. A explicação oficial era que ele não vinha almoçar no domingo com a mesma frequência que nós, mas aquilo realmente não parecia justo.

Na verdade, apesar do coquetel de camarão, eu não achava que meus pais tivessem filhos favoritos.

Fui criada em uma família de classe média com seis filhos no norte de Londres.

É claro que cada um de nós – meus irmãos, minha irmã e eu – tinha papéis e tarefas diferentes na família, mas as razões pareciam ser simplesmente práticas.

Como a mais nova, por exemplo, eu sempre era aquela que pegava as coisas para os meus pais, talvez porque eles achassem que eu tivesse muita energia.

E minha irmã era quem normalmente saía para fazer as compras, já que ela sabia dirigir.

A casa era movimentada e, para completar o quadro, também tínhamos uma cachorrinha dálmata chamada Sheba. De forma geral, para mim, tudo parecia bem equilibrado.

Mas, no ano passado, em uma reunião de família, um dos meus irmãos soltou o desabafo: ele achava que eu fosse a filha favorita do meu pai.

Minha irmã pareceu um tanto surpresa. E eu percebi que a história que eu havia contado para mim mesma – de que nossos pais, na verdade, não tinham filhos favoritos – talvez fosse mais complexa.

Fiquei imaginando como as pessoas da minha e de outras famílias realmente sentem essa dinâmica e como ela pode nos influenciar ao longo do tempo, mesmo se não tivermos total consciência dela.

Pesquisas indicam que o favoritismo dos pais é surpreendentemente comum – e, em vez de ser apenas uma peculiaridade da vida familiar, ele pode realmente ser muito prejudicial.

O favoritismo por um dos filhos é um fator tão relevante para uma série de problemas emocionais que os psicólogos têm um nome para ele: é o tratamento parental diferenciado.

Irmãos da mesma família podem ter visões diferentes sobre o favoritismo por um dos filhos na família, como ocorreu comigo e com meu irmão. Isso ocorre porque a sensação de ser desfavorecido pode ser muito subjetiva, segundo a professora de psicologia aplicada Laurie Kramer, da Universidade do Nordeste, nos Estados Unidos.

“É a experiência que as pessoas têm de que um dos pais prefere outro filho em vez delas”, explica Kramer.

“Pode ser porque ele dedica mais tempo, atenção, elogios ou afeição. Possivelmente exercendo menos controle, para que eles possam sofrer menos restrições, estar sujeitos a menos disciplina ou até punições.”

O importante é que nem todas as pessoas da família podem considerar a situação desta forma.

“Pode não ser a mesma conclusão encontrada pelo outro irmão e também pode ser diferente pelo que o pai acredita que eles fizeram”, afirma Kramer.

Mas, para o filho que sente tratado em segundo plano, pode haver profundas consequências.

Pesquisas indicam que, desde muito cedo, as crianças percebem o tratamento diferenciado, como pais que demonstram mais carinho por um irmão do que por outro.

Esta percepção do favoritismo parental foi associada à baixa autoestima em crianças, ansiedade infantil, depressão e problemas de comportamento, incluindo comportamento de risco. E também pode causar efeitos em cascata sobre o bem-estar emocional, com consequências indiretas.

Pesquisadores chineses demonstraram, por exemplo, que o favoritismo parental é uma das causas de dependência de telefones celulares em adolescentes.

Já em um pequeno estudo canadense com oito adolescentes sem teto, sete deles afirmaram que sentiam que seus pais haviam favorecido um irmão em vez deles, enquanto eles sempre foram considerados a “criança-problema” – e que isso havia contribuído para o rompimento dos laços familiares.

Embora este último estudo seja pequeno demais para tirar conclusões mais amplas, ele destaca até onde podem chegar as consequências da percepção de favoritismo parental por uma criança.

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Tratamento aos diferentes filhos pode ter impactos duradouros sobre sua saúde

Consequências até a idade adulta

Os impactos do favoritismo sobre a saúde mental podem persistir até a idade adulta. O favoritismo das mães, por exemplo, é associado a avaliações mais altas de depressão entre os filhos adultos.

O viés pode também permanecer ao longo da vida, com pais tratando filhos adultos com favoritismo.

E, embora os irmãos não sejam responsáveis pela situação, mas sim os pais, o favoritismo pode prejudicar os laços entre os irmãos, aumentando as tensões e os conflitos entre eles. Isso é especialmente preocupante porque ter bom relacionamento com nossos irmãos é importante para nossa saúde e felicidade ao longo da vida.

Considerando o quanto o favoritismo é prejudicial, será que os pais não podem simplesmente evitar escolher um filho favorito?

Na opinião de Kramer, eles podem não exercer o favoritismo intencionalmente. E, provavelmente, eles nem mesmo sabem que o fazem.

“O tratamento preferencial pode começar entre os pais porque um de seus filhos é mais fácil de criar”, explica a professora. “Eles podem relacionar-se mais com aquela criança, observar similaridades entre eles e a criança.”

Sua pesquisa sobre adolescentes e seus pais demonstrou que as famílias não costumam falar sobre o assunto, o que dificulta ainda mais a resolução de possíveis mágoas ou mal-entendidos.

“Se estas situações fossem abordadas de forma sensível, sem que ninguém sentisse que está sendo responsabilizado ou que é sua culpa, você poderia ter conversas mais abertas para que todos os lados se entendessem”, afirma Kramer.

Os pais poderiam, por exemplo, perguntar por que o filho sente que eles preferem um de seus irmãos.

“Se um dos pais ouvir [e] oferecer uma razão para o comportamento diferencial em relação a um dos filhos, isso pode fazer maravilhas”, explica ela.

O filho pode perceber que existe uma razão prática e não é questão de que o irmão seja mais amado do que ele.

Na minha família, nunca mencionamos o tema do favoritismo. Mas, depois do desabafo do meu irmão, dizendo que eu seria a favorita, decidi investigar mais a fundo.

Primeiramente, perguntei ao meu irmão por que ele havia feito aquele comentário.

Ele respondeu que, um dia, nosso pai o mandou sair de perto porque estava me assustando com a Toupeira (“Mole”, em inglês) da série de TV Thunderbirds – uma espécie de máquina perfuratriz gigante – e me fazendo chorar. Eu não me lembro desse caso, talvez porque não fui eu que recebi a ordem de me afastar.

Enquanto meus irmãos e eu continuávamos a conversar, eu relembrava minha mãe, às vezes, oferecendo tratamento preferencial ao meu irmão mais velho, provavelmente porque ele nasceu primeiro. Enquanto isso, nosso pai costumava elogiar nosso irmão do meio por ser perspicaz, uma qualidade que ele admirava e que os dois tinham em comum.

E, é claro, existe o coquetel de camarão que surge quando nosso irmão do meio nos visita.

Existem pequenas diferenças, mas é fácil observar que elas podem ter se amplificado em algo maior, até causando ressentimentos.

É possível que o impacto fosse diluído pelo fato de que somos seis irmãos – e os cinco que nem sempre recebiam o “tratamento com coquetel de camarão” podiam brincar entre si sobre a questão. E todos nós ainda apreciamos o aperitivo quando nosso irmão do meio nos visita.

Mas imagine uma família com apenas dois filhos crescidos e um deles recebe um coquetel de camarão no almoço, enquanto o outro sempre come o prato comum. Provavelmente, seria muito cruel com este último filho, que pareceria estar sendo punido ou excluído.

Fatores que levam ao favoritismo

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Uma simples disputa entre irmãos pode gerar o sentimento de favoritismo

A professora de desenvolvimento humano e ciências familiares Megan Gilligan, da Universidade do Missouri, trabalhou com a professora de sociologia Jill Suitor, da Universidade Purdue, e o professor de psicologia Karl Pillemer, da Universidade Cornell, no Estudo de Diferenças Dentro da Família – um projeto longitudinal financiado pelo Instituto Nacional do Envelhecimento, nos Estados Unidos.

O projeto acompanhou diferentes famílias por duas décadas para compreender melhor o relacionamento entre as gerações.

Como parte do estudo, os pesquisadores fizeram às mães e aos pais uma questão direta sobre favoritismo. E, para muitos deles, foi a primeira vez que alguém os questionou a este respeito.

A pergunta foi: “Com qual dos seus filhos você sente maior proximidade emocional?”

Após uma breve deliberação, uma alta parcela das mães (75%) indicou um de seus filhos. As demais não escolheram nenhum ou disseram que se sentiam igualmente próximas de todos eles.

Os pesquisadores também perguntaram aos pais e às mães por qual dos filhos eles sentiam mais decepção e conflito.

A resposta trouxe consequências para toda a vida, pois o filho indicado inicialmente como “decepcionante” também foi tratado desta forma no futuro.

A ordem de nascimento teve importância em alguns aspectos do favoritismo, mas talvez não tanto quanto se costuma acreditar.

“Na idade adulta, [a pesquisa não] concluiu que este seja um fator decisivo para o favoritismo”, explica Gilligan.

Especificamente falando, a pesquisa científica não confirma o meu palpite de que o filho mais velho seria naturalmente escolhido como o “filho de ouro”.

A professora afirma que, em termos de proximidade emocional, os filhos mais novos, na verdade, costumam ser escolhidos com mais frequência do que o filho do meio ou o terceiro.

Mas o fator mais forte para a proximidade emocional foi a sensação dos pais de que a criança é parecida com eles.

Gilligan também destaca o risco real que pode resultar do tratamento diferencial, demonstrado no estudo longitudinal, como o mau relacionamento entre os irmãos, a sensação de inadequação sobre si próprios pelos irmãos menos favorecidos e seu relacionamento menos positivo com o pai ou com a mãe.

E ser o “filho de ouro” também pode trazer suas próprias dificuldades.

“Você pode achar que ser o filho favorito traz muitos benefícios, mas também pode causar tensão emocional para os filhos adultos”, afirma Gilligan.

“Descobrimos que o favoritismo é associado a maiores sintomas de depressão entre os filhos favorecidos.”

“Acreditamos que isso ocorre porque ser o filho favorito de uma mãe cria conflitos no relacionamento com seus irmãos. Concluímos que esta tensão com os irmãos na idade adulta prejudica o seu bem-estar psicológico”, explica a professora.

O favoritismo também pode criar um encargo desigual ao longo da vida. Isso porque, quando um dos pais eventualmente precisa de assistência familiar, ele costuma procurar o filho que sente ter sido o favorito, segundo Gilligan.

E, embora o favoritismo possa nos assombrar até a idade adulta, nossa experiência pode sofrer mudanças sutis à medida que envelhecemos.

Gilligan realizou uma análise de estudos sobre o impacto do favoritismo ao longo da vida, desde crianças muito jovens até filhos crescidos, agora com 60 anos de idade ou mais. Ela concluiu que existem diferenças na forma em que o favoritismo se manifesta em diferentes etapas de vida.

Entre as crianças mais jovens, o favoritismo pode ser mais questão de quanto tempo os pais passam com elas, em comparação com um dos irmãos. E, para os filhos adultos, pode ser mais questão de desigualdades no apoio financeiro.

Como resolver?

Para Laurie Kramer, tratar todos os filhos de forma exatamente igual não é a solução do problema.

“É impossível tratar as crianças da mesma forma em todas as situações e nem é o que as crianças desejam”, explica ela.

“Elas querem ser compreendidas por quem são, pela sua idade, interesses, gênero e personalidade.”

Mesmo assim, a professora afirma que o aumento da autoconsciência pode ajudar os pais a evitar a constante criação de situações injustas. Isso é especialmente importante porque a criança pode aprender o padrão de favoritismo e aplicá-lo ao seu próprio estilo de criação de filhos e relacionamentos na idade adulta.

“Se não formos conscientes e não tomarmos medidas para romper essa transmissão, estamos provavelmente adotando o mesmo comportamento”, segundo Kramer.

A ideia de aprender certos vieses dos nossos pais certamente é verdadeira.

Durante as refeições, minha mãe sempre servia porções um pouco maiores para os meus irmãos, que eram considerados “meninos em crescimento”. E meu parceiro observou que, quando sirvo nosso jantar, eu faço o mesmo, servindo mais para ele do que para mim.

Não me sinto traumatizada pelas leves diferenças na forma em que meus irmãos e eu éramos tratados quando crianças – e, talvez, até hoje. Nós somos próximos dos nossos pais e também uns dos outros.

Na verdade, se examinarmos a questão agora, talvez nossa cadela Sheba fosse a verdadeira favorita do meu pai.

Mas adquirir mais consciência sobre algumas dessas diferenças de tratamento e como elas moldaram o meu próprio comportamento me fez ver algumas coisas de forma diferente.

Para começar, talvez eu comece a tentar servir porções maiores para mim no futuro – e sem esperar a visita do meu irmão para me deliciar com um coquetel de camarão.