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Grande parte da Faixa de Gaza foi reduzida a escombros por ataques aéreos israelenses

  • Author, Áine Gallagher
  • Role, BBC

A ONU acusa Israel de estar cometendo “crimes de guerra” por meio de sua “punição coletiva” aos moradores da Faixa de Gaza, onde a entrada de ajuda humanitária tem sido praticamente inexistente.

Já Israel alega que tem o direito de se defender e busca destruir o grupo palestino Hamas. O país vem realizando uma ofensiva militar em Gaza desde que homens armados do Hamas mataram 1,4 mil pessoas e fizeram mais de 200 reféns em 7 de outubro.

“A punição coletiva por Israel de civis palestinos também é um crime de guerra, assim como a evacuação forçada ilegal de civis”, disse o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, o holandês Volker Türk, em 8 de novembro.

Ele também afirmou que o Hamas cometeu crimes de guerra.

Mais de 10 mil pessoas foram mortas em Gaza, 40% delas crianças, segundo o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.

O que é o Direito Internacional Humanitário?

A ONU diz que a proteção de civis está em primeiro lugar em qualquer conflito e nenhuma parte está acima da lei. É o que se conhece como Direito Internacional Humanitário (DIH).

“Uma violação de um lado não pode ser usada como desculpa para uma violação do outro”, diz Tara Van Ho, professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de Essex, na Inglaterra.

“Da mesma forma, a disparidade de poder entre Israel de um lado e o governo palestino e o Hamas do outro não altera as obrigações de nenhuma das partes.”

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Leis da guerra aplicam-se a todos os atores estatais e não estatais

O que são as Convenções de Genebra?

O assassinato de 6 milhões de judeus pelos nazistas na Europa durante a 2ª Guerra Mundial, de 1939 a 1945, levou à expansão dessas leis, bem como à fundação das Nações Unidas.

As Convenções de Genebra de 1949 abrangem quatro princípios fundamentais:

  • O pessoal médico e os hospitais em zonas de guerra devem ser protegidos e autorizados a trabalhar livremente.
  • Os feridos em batalha e que não lutam mais têm direito a tratamento médico.
  • Os prisioneiros de guerra devem ser tratados com humanidade.
  • As partes em conflito são obrigadas a proteger os civis (isso inclui a proibição de atacar infraestruturas civis, como energia e abastecimento de água).

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Mais pessoas foram assassinadas em Auschwitz do que em qualquer outro campo de concentração nazista e provavelmente do que em qualquer campo de extermínio na história

O que é genocídio?

O termo genocídio foi criado pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin, que perdeu a maior parte de sua família no Holocausto. Em 1948, a Convenção sobre o Genocídio foi adotada pelas Nações Unidas.

“A chave para o genocídio é que os perpetradores não pretendem apenas matar um indivíduo ou membros de um grupo militar ou armado, mas realmente destruir em parte ou na sua totalidade um grupo tal como ele existe por causa de sua identidade”, diz Van Ho.

“Mostrar esse tipo de intenção específica torna o genocídio o crime internacional mais difícil de provar.”

O genocídio inclui matar, impedir nascimentos e transferir crianças à força.

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Jean-Paul Akayesu, de Ruanda, foi primeira pessoa condenada por genocídio, quase 50 anos após aprovação da lei

A primeira pessoa condenada por genocídio foi o hutu ruandês Jean-Paul Akayesu em 1998 no Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR, na sigla em inglês), apoiado pela ONU, por sua participação no assassinato em massa de tutsis em 1994, que deixou 800 mil mortos.

Dois outros casos foram julgados em tribunais apoiados pela ONU — o massacre de membros da minoria cham e vietnamitas nos anos 1970 pelo grupo cambojano Khmer Vermelho e o massacre de 8 mil homens e meninos muçulmanos na Bósnia em 1995.

O que são crimes contra a humanidade?

Crimes contra a humanidade ocorrem quando há uma agressão generalizada ou realizada de forma sistemática contra a população civil, e que, ao contrário do genocídio, não tem como alvo um determinado grupo étnico ou racial.

São atos como assassinato, deportação, escravização, violência sexual, apartheid, tortura e desaparecimento forçado.

“Primeiro, temos que distinguir entre ataques que são realmente direcionados contra uma população civil e aqueles que afetam civis, mas que, na verdade, têm como alvo alguém que participa do conflito ou um objeto que serve a um propósito militar, seja por sua natureza ou pela forma como está sendo usado”, diz Van Ho.

“Em segundo lugar, é preciso que haja alguma organização para os ataques de tal modo que eles sejam generalizados ou sistemáticos, e as pessoas que participam deles saibam que fazem parte desse ataque.”

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Missão de investigação da ONU concluiu que campanha militar de Mianmar contra rohingyas incluiu “atos genocidas”

O que são crimes de guerra?

É necessário que haja um conflito armado internacional ou doméstico para que crimes de guerra sejam cometidos.

“Embora haja uma longa lista de crimes de guerra que vêm de diferentes tratados, o fator mais comum é que os crimes de guerra são ações que afetam pessoas que deveriam ser protegidas ou comprometem a capacidade das organizações humanitárias de realizar bem seu trabalho”, explica Van Ho.

Como esses crimes são julgados?

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) faz parte da ONU. Um país pode solicitar a abertura de um processo desse tipo contra outro neste tribunal mundial.

O brasileiro Leonardo Nemer Caldeira Brant é um dos juízes que compõem seu corpo de 15 magistrados — escolhidos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para um mandato de nove anos — e ocupa o cargo desde novembro de 2022. São duas cadeiras para a América Latina e para o Caribe.

Atualmente, a CIJ investiga se Mianmar cometeu genocídio contra o povo rohingya após forçar quase 1 milhão de pessoas a fugir em 2017 em meio a uma repressão militar. Gâmbia iniciou o processo contra Mianmar.

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Procurador do TPI, Karim Khan, diz que Israel tem obrigações claras de cumprir as leis do conflito armado

Já o Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado em 2002 para julgar indivíduos por esses crimes. Trata-se de um tribunal de último recurso, intervindo apenas quando as autoridades nacionais não podem ou não querem instaurar um processo.

EUA, China, Rússia, Índia e Israel não são signatários, diferentemente do Brasil. A Autoridade Palestina aderiu em 2015.

O procurador do TPI, Karim Khan, visitou recentemente o Egito, mas não conseguiu entrar em Gaza.

Em entrevista a jornalistas, ele alertou os militares israelenses que “eles precisarão demonstrar que qualquer ataque que afete civis inocentes ou objetos protegidos deve ser conduzido conforme as leis e costumes da guerra”.

“Em relação a cada casa, em relação a qualquer escola, qualquer hospital, qualquer igreja, qualquer mesquita, esses lugares estão protegidos, a menos que o status de proteção tenha sido perdido”.

“O ônus de provar que o status de proteção foi perdido cabe àqueles que disparam a arma, o míssil ou o foguete em questão.”

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Ataques do Hamas matou maior número de israelenses desde fundação do Estado

Vítimas israelenses do ataque do Hamas também apelaram ao TPI para iniciar uma investigação, apesar da oposição de seu governo ao tribunal.

Yael Vias Gvirsman, advogada criminal internacional e professora da Universidade Reichmann, nos arredores de Tel Aviv, representa as famílias de mais de 40 vítimas mortas, feitas reféns ou desaparecidas.

Ela diz que crimes contra a humanidade foram cometidos pelo Hamas e pela Jihad Islâmica, um grupo palestino menor que também opera na Faixa de Gaza.

“Que o TPI cumpra seu mandato para todos”, disse ela à BBC. “As vítimas merecem seu dia de verdade e justiça.”

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Pelo menos 240 pessoas, incluindo crianças e idosos, são mantidas reféns pelo Hamas dentro da Faixa de Gaza

No entanto, Van Ho diz que a busca pela responsabilização legal inclui desafios.

“Um obstáculo significativo para o TPI é que algumas das informações necessárias são mantidas apenas pelo Estado ou pelo grupo armado, e é improvável que eles forneçam voluntariamente essas informações”, assinala.

Van Ho também teme que seja uma “batalha difícil” para alcançar responsabilidade e justiça onde os Estados querem proteger seus próprios interesses.

“Infelizmente, estamos testemunhando civis pagando o custo por essas escolhas”, conclui.