A imagem de jornalistas e funcionários do canal com armas apontadas às suas cabeças, juntamente com o apelo do apresentador Jorge Rendón aos criminosos — que colocaram um explosivo no bolso do seu casaco — reforçaram ainda mais uma situação que vinha se deteriorando há meses.
Na segunda-feira (8/1), o presidente do Equador, Daniel Noboa, havia declarado estado de emergência após a fuga da prisão de Adolfo Macías, conhecido como “Fito”, líder da facção “Choneros”.
Mas depois do ataque ao canal de televisão e a onda de violência em todo o país, o presidente precisou reagir de forma mais enérgica.
Ele anunciou na terça-feira que o Equador enfrenta “um conflito armado interno”.
Noboa deu ordens ao Exército para neutralizar o que considera ser a causa da situação crítica de segurança: mais de 20 facções que o governo classifica como “organizações terroristas” de natureza transnacional.
E a origem deste conflito interno está na luta travada pelas principais facções criminosas pelo controle das lucrativas rotas do tráfico de drogas que existem no Equador.
Entre as facções estão o Los Choneros, liderados por Fito, bem como o Los Tiguerones (que se acredita serem os responsáveis pelo ataque ao canal TC em Guayaquil), o Los Lobos e o Los Lagartos.
Mas Noboa também citou outros grupos: Águilas, ÁguilasKiller, Ak47, Caballeros Oscuros, ChoneKiller, Covicheros, Cuartel de las Feas, Cubanos, Fatales, Gánster, Kater Piler, Latin Kings, Los p.27, Los Tiburones, Mafia 18, Mafia Trébol, Patrones, e R7.
“As facções ligadas ao tráfico de drogas reagiram para mostrar que são capazes de colocar a democracia em xeque”, diz o analista político equatoriano Andrés Chiriboga à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC).
Uma batalha dentro da prisão
Uma das particularidades desta luta territorial pelo controle do negócio do tráfico de drogas é que ela ocorreu a partir das prisões, de onde as facções organizam suas ações.
Embora não seja nada inédito na América Latina, o caso equatoriano é particular.
Um dos primeiros sinais de deterioração do sistema penitenciário do país ocorreu em 23 de fevereiro de 2021, quando 79 presos foram decapitados nas instalações da prisão regional de Guayas, localizada em Guayaquil.
O massacre levou organizações como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a visitar as prisões do Equador e expressar preocupação.
“Há uma corrupção sem precedentes dentro das prisões, que responde ao abandono do sistema penitenciário pelo Estado durante anos, bem como à ausência de uma política criminal abrangente, que levou ao autogoverno”, disse a CIDH em um relatório.
O Equador é um dos países latino-americanos com os maiores índices de criminalidade.
Entre janeiro e junho de 2023, foram registrados 3.513 assassinatos no Equador, um aumento de 58% em relação a 2022, informou a polícia.
A agência de segurança estima que, se essa tendência continuar, a taxa de homicídios passará de 20 para 40 por 100 mil habitantes, o que tornará o país o mais violento da região.
Toda essa violência estaria sendo financiada pelo dinheiro das drogas e gerida a partir das prisões.
Segundo o portal especializado Insight Crime, o Equador é a “estrada da cocaína para os Estados Unidos e a Europa”.
O Departamento de Estado dos EUA acredita que um terço da cocaína da Colômbia passa pelo Equador antes de seguir para a América do Norte e Europa.
Essa combinação de fatores coloca o governo equatoriano sob pressão.
Um dos momentos mais delicados da crise de violência no Equador ocorreu em 9 de agosto, quando o candidato presidencial Fernando Villavicencio foi assassinado em Quito enquanto discursava em um comício político.
Conheça abaixo como operam quatro das facções mais importantes do Equador.
Los Choneros
A facção Los Choneros ganhou as manchetes da imprensa internacional nesta semana quando seu líder, conhecido como Fito, escapou da principal prisão do país.
Ela chegou a ser a organização criminosa mais importante do Equador e, em seu auge, possuía entre 12 mil e 20 mil membros.
Los Choneros nasceu na década de 1990 na cidade de Chone, na província costeira de Manabí; de lá, a facção se espalhou para Manta e outras cidades nas costas do Pacífico.
Originalmente, as autoridades classificavam o grupo como um braço armado de um cartel colombiano, que procurava controlar as rotas de tráfico para o México e os Estados Unidos pelo mar.
Mas o Los Choneros também teria ligações com dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a quem ajudaria a transportar cocaína da Colômbia, segundo a imprensa equatoriana.
Nos últimos anos, a facção teria se associado a organizações criminosas mexicanas.
“A megagangue Choneros está ligada ao cartel de Sinaloa”, disse o coronel Mario Pazmiño, ex-diretor da inteligência militar equatoriana e agora analista de segurança e defesa, à imprensa espanhola em 2021.
Com o passar do tempo, a organização também passou a controlar várias prisões, onde os seus membros não só praticavam o tráfico de drogas, mas também extorquiam reclusos e orquestravam sequestros, informou o InsigthCrime.
As autoridades estimam que as operações ilegais realizadas nas prisões rendem lucros de cerca de US$ 120 milhões (R$ 600 milhões) por ano.
Outras investigações jornalísticas apontam que organizações criminosas como a máfia albanesa também operam no Equador e que têm ou tiveram ligações com Los Choneros.
No entanto, a morte e a captura de vários dos seus dirigentes, bem como as divisões causadas pelas disputas pela sucessão, enfraqueceram a facção nos últimos anos, e os seus rivais se aproveitaram dessa situação.
Los Lobos
Los Lobos é considerada a segunda maior facção do país, com cerca de 8 mil membros, e também esteve envolvida em várias rebeliões prisionais que em 2022 deixaram mais de 400 mortos no país, informou o InsightCrime.
O grupo nasceu como uma dissidência dos Los Choneros, que até pouco tempo atrás era considerado o grupo criminoso mais importante do país sul-americano, dizem os meios de comunicação especializados no estudo da violência criminal na região.
Embora originalmente sua área de ação estivesse limitada às áreas montanhosas e de selva do sul do Equador, Los Lobos começou a se expandir até chegar ao litoral de Guayaquil.
Seu chefe, Fabricio Colón Pico, conhecido como “El Salvaje” (O Selvagem, em tradução livre), também escapou da prisão nesta semana, aproveitando as rebeliões ocorridas em pelo menos seis penitenciárias após a fuga do líder de Los Choneros.
Desde 2016, Los Lobos e seus aliados fornecem armas e segurança ao cartel mexicano Jalisco Nueva Generación, que controla parte das rotas de cocaína no Equador, informou o site de jornalismo investigativo equatoriano Code Vidrio.
No entanto, o InsightCrime garante que essa facção, juntamente com os Chone Killers e Los Tiguerones, teria formado outra organização chamada Nueva Generación, responsável por vários ataques contra líderes e territórios controlados por Los Choneros.
Embora a facilitação do tráfico de drogas e a extorsão nas prisões sejam as suas principais atividades, nos últimos anos eles encontraram outra fonte de renda: a extração ilegal de ouro.
A imprensa local afirma que o Los Lobos cobra um imposto de 10% aos mineiros que operam ilegalmente em zonas como a província selva de Imbabura, no norte do país.
Eles também estão ligados à 48ª Frente, grupo dissidente das desmobilizadas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Los Lagartos
Segundo informações da InsightCrime, a facção Los Lagartos, nascida nas prisões de Guayaquil, opera há pelo menos dez anos, assassinando membros e líderes de outras organizações maiores.
Porém, em algum momento, a facção começou a disputar território com Los Choneros e enfrentá-lo.
Crimes notórios como o assassinato do ator e apresentador de televisão Efraín Ruales, ocorrido em 2021, são atribuídos a Los Lagartos.
Ruales foi executado quando voltava para casa da academia. Em seu programa, ele havia noticiado casos de corrupção.
A facção hoje estaria presente nos 35 presídios do país e seria mais uma das responsáveis pelos tumultos sangrentos ocorridos nos últimos anos.
Apesar de todas as medidas adotadas pelas autoridades, a ascensão das megagangues criminosas equatorianas parece não ter fim, e há quem afirme que esses grupos em breve se tornarão cartéis.
“Los Choneros, Los Lobos e mesmo outras organizações menores, como Los Tiguerones e os Chone Killers, já não são apenas forças armadas encarregadas de proteger os embarques de drogas, mas prestam serviço aos grandes cartéis mexicanos e dos Balcãs (especialmente os albaneses). Eles já controlam as rotas internas desde as fronteiras até os portos”, declarou um funcionário equatoriano que investiga a evolução desses grupos criminosos ao site de notícias Primicias.
A localização do Equador, entre a Colômbia e o Peru, dois dos maiores produtores mundiais de cocaína, juntamente com fatores como a fraqueza institucional e as desigualdades econômicas, transformaram o país num terreno fértil para o crime organizado.
Los Tiguerones
Parte da imprensa equatoriana informou que membros da facção Los Tiguerones foram os responsáveis pelo ataque ao canal TC em Guayaquil nesta terça-feira. Mas as autoridades não confirmaram essas alegações.
A facção se tornou uma das principais responsáveis pela violência no meio desta luta pelo controle territorial do tráfico de drogas no Equador.
Segundo as autoridades, Los Tiguerones é uma cisão dos Choneros e tem uma relação profunda com o cartel mexicano Jalisco Nueva Generación.
Seu principal rival é a facção Gánster Negros, também mencionada pelo presidente Noboa.
Sua principal área de atuação é a cidade de Esmeraldas, na costa equatoriana, onde tenta manter o controle dos envios de drogas para o México e os Estados Unidos.
O governo do Equador observou num relatório recente que Los Tiguerones “conseguiu penetrar em instituições do Estado como o Conselho Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Nacional, as Forças Armadas e os Governos Autônomos Descentralizados. O seu alcance foi evidenciado por um jogador de futebol pertencente ao Barcelona Sporting Club que, segundo as investigações, foi quem recebeu informações para coordenar vários assassinos”.
A facção é comandada por William Jofre Alcívar Bautista, conhecido pelo apelido Willy, que trabalhou durante muitos anos como agente penitenciário.