- Author, Vitor Tavares
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
A disputa pela Prefeitura de São Paulo na eleição de outubro tornou-se um dilema antes improvável para Jair Bolsonaro e seu grupo político.
Enquanto o ex-presidente declarou formalmente apoio ao atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), um nome tem dominado os comentários de seus seguidores nas redes sociais: Pablo Marçal, o candidato do PRTB.
“Sou Bolsonaro e estou com Marçal”, escreveram dezenas de eleitores do ex-presidente.
Os comentários de certa forma ilustram o que as últimas pesquisas de intenção de voto na capital paulista têm mostrado, a contragosto da família Bolsonaro.
A mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada na quinta-feira (22/8), mostra que o empresário e influenciador Pablo Marçal cresceu em intenção de votos entre os bolsonaristas, o que o ajudou a já superar Nunes nos números.
No resultado geral, o deputado federal Guilheme Boulos (PSOL) lidera numericamente com 23%, seguido por Marçal, com 21%, e o atual prefeito com 19%. Como a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais, para mais ou para menos, os três estão tecnicamente empatados.
A divulgação da pesquisa aconteceu em meio a trocas de farpas públicas entre Marçal e os Bolsonaro.
Após dar alguns sinais de que a candidatura de Marçal tinha sua simpatia, o ex-presidente e seus filhos têm mostrado cada vez mais distanciamento do candidato do PRTB e reforçado o apoio a Nunes.
O auge do movimento aconteceu nesta semana, quando o empresário, Jair Bolsonaro e seus filhos exibiram os desencontros em diálogos nas redes sociais.
Para analistas políticos consultados pela BBC News Brasil, as rusgas públicas entre o candidato de direita mais bem posicionado na pesquisa em São Paulo e a família Bolsonaro mostram um receio do grupo político do ex-presidente de “perder o controle” ou o poder de influência preponderante sobre os eleitores da direita e da direita radical.
“Marçal pode ser uma espécie de pós-Bolsonaro. Os Bolsonaro estão muito assustados e com razão”, diz a cientista política Camila Rocha, pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que tem se dedicado a estudar a direita no Brasil.
Entenda abaixo os contornos da disputa e o que está em jogo neste xadrez político que mira não apenas outubro, mas também 2026.
Da convivência cordial às farpas
Empresário de 37 anos nascido em Goiânia, Pablo Marçal é dono de um patrimônio milionário e de um império digital que conquistou antes de se lançar na política.
Influenciador e vendedor de cursos de treinamento motivacional e estratégias de marketing digital e de geração de renda (“como gerar riqueza do zero” é um dos motes), ele tem no Instagram quase 13 milhões de seguidores, enquanto no TikTok tem 2,6 milhões e no YouTube, 3,5 milhões.
Foi com esse cabedal que Marçal se candidatou pelo PRTB para governar a maior cidade do Brasil com uma plataforma que usa as mesmas bases de discurso de sua carreira como palestrante:
“Deus vai mudar nossa sorte. A gente está sozinho. Nós, o povo, e Deus. [… ] Eu construi riqueza e você também vai construir. Chegou a hora do povo de São Paulo prosperar”, disse em um programa de TV.
Até o começo do mês, a convivência entre Bolsonaro e o candidato, com quem compartilha o discurso religioso e a retórica anti-esquerda e contrária aos políticos tradicionais, era cordial. Havia até demonstração pública de afinidade.
Em entrevista à Folha após um encontro com Marçal, Bolsonaro disse apenas que “a essa altura do campeonato, eu não tenho como apoiá-lo”.
O ex-presidente deixou claro o compromisso com o atual prefeito Ricardo Nunes, mas deixou portas abertas em uma eventual presença de Marçal no segundo turno
Também neste mês, em uma entrevista à rádio 96 FM de Natal (RN), Bolsonaro elogiou o influenciador: “pessoa inteligente”.
Antes, em junho, o ex-mandatário entregou a Marçal uma medalha de “imbrochável”, termo que usou na campanha de 2022.
Até esta semana, parecia que esse cenário de certa forma continuaria: com Bolsonaro apoiando Nunes, mas sem romper com Marçal.
No entanto, a situação deu um giro, com o influenciador, o ex-presidente e seus filhos trocando acusações.
Já em ascensão nas pesquisas, Marçal usou o Instagram para exibir uma aproximação com Bolsonaro. Em uma postagem do ex-presidente escreveu: “Pra cima, capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós.”
Bolsonaro respondeu com uma pergunta irônica: “Nós? Abraços”.
Marçal rebateu dizendo: “Isso mesmo presidente. Coloquei 100 mil na sua campanha, te ajudei com os influenciadores, te ajudei no digital, fiz você gravar mais de 800 vídeos. Por te ajudar, entrei para a lista de investigados da PF. Se não existe o nós, seja mais claro.”
O ex-presidente diria ainda ao portal Metrópoles que Marçal “não tinha caráter”. o influenciador, por sua vez, atacou o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) chamando-o de “retardado”.
Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) gravou um vídeo em que relembrou críticas de Marçal a seu pai no passado.
Em 2022, o influenciador tentou ser candidato a presidente, sem sucesso, e disse que havia pouca diferença entre Bolsonaro e o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
No vídeo publicado nas redes, Eduardo alertou a seus seguidores que “no momento mais crucial [nas eleições de 2022]”, Marçal não “tomou partido” e declarou: “Não existe direita no Brasil, existe Bolsonaro”.
“A direita não tem dono. A liberdade não tem dono”, respondeu Pablo Marçal, dizendo respeitar o ex-presidente.
Bolsonarismo sem Bolsonaro?
Se o tamanho da influência dos Bolsonaro nas eleições municipais já era um dos principais temas da campanha e um foco de interesse dos cientistas políticos, a contenda aberta entre Marçal e o ex-presidente catapultou o debate.
No começo deste ano, a cientista política Camila Rocha, do Cebrap, desenvolveu com outras duas autoras uma pesquisa com eleitores bolsonaristas justamente para saber como eles se posicionariam nas eleições municipais e colheu algumas pistas.
Feito por meio de entrevistas qualitativas, uma das principais conclusões do estudo, chamado de “Bolsonarismo sem Bolsonaro?”, apontou na direção de que o apoio de Bolsonaro segue “importante” para os eleitores, mas nao é “fundamental”.
“O que as pessoas nos disseram foi que o mais importante era a adesão dos candidatos aos ‘princípios do bolsonarismo’. Ou seja, que fale abertamente ser conservador, cristão, que acredita na meritocracia e que tenha compromisso com tudo isso”, disse Rocha, em entrevista à BBC News Brasil.
Esse “descolamento” se acentuou principalmente após Bolsonaro ser declarado inelegível pelos próximos 8 anos em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , segundo Rocha.
Para o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o cenário mostraria que o “bolsonarismo está sofrendo uma consequência adversa do seu próprio sucesso”.
“Eles firmaram o ideário reacionário e de extrema direita fortemente entre os eleitores do Brasil, de tal forma que esse ideário independe da liderança de Bolsonaro e sua família. O bolsonarismo em si não precisa ser o único operador da extrema direita”, diz Couto.
Para Camila Rocha, a postura de Marçal até agora indica que o candidato do PRTB compreeende a importância e a força que Bolsonaro ainda tem.
“Ele não pode entrar em rota de colisão direta com Bolsonaro. Agora, com os filhos, tudo bem, porque as pessoas não gostam deles”, diz Rocha, ressaltando que a imagem negativa dos filhos de Bolsonaro entre bolsonaristas é identificada em suas pesquisas.
“Você tem meu respeito e admiração capitão, obrigado pelo que você fez pelo Brasil, em 2026 eu vejo você presidente, Tarcísio governador e eu prefeito, juntos governaremos esse país”, escreveu Marçal em tom conciliador na sexta-feira.
Claudio Couto concorda com Rocha que, para o candidato a prefeito, não é estratégico “implodir a relação” com Bolsonaro se ele quer galgar um espaço para se colocar como “substituto” dele.
“O que ele não precisa é ser encarado como traidor e desafeto de Bolsonaro. Para ele, é positivo se colocar como alternativa e atacar as ‘más influências’, como os próprios filhos, mas preservando o alinhamento”, avalia Couto .
O pesquisador não descarta ainda que a família Bolsonaro, também à frente de milhares de seguidores nas redes, dê um passo atrás nas críticas à Marçal.
O verdadeiro “antissistema”
Para os analistas, um dos pontos a ser notado na eleição em São Paulo é a escolha política de Bolsonaro em apoiar um candidato que não é “bolsonarista raiz”, no caso o prefeito Ricardo Nunes, que é filiado a um partido de centro, o MDB.
Coube ao PL de Bolsonaro indicar o vice de Nunes, o ex-coronel da Rota da PM Ricardo de Mello Araújo.
Em entrevistas, Bolsonaro chegou a dizer que Nunes “não era seu candidato dos sonhos”.
Esses sinais mostrariam uma ambiguidade ao eleitor de direita que, segundo Camila Rocha, permite enxergar Marçal como o “bolsonarista de fato”.
“O Nunes é da política tradicional. Então, é o Marçal que pode se vender como o ‘antissistema’”, comenta.
Claudio Couto concorda que Nunes não é encarado como um “candidato autêntico da extrema direita” pelo eleitorado.
“Eu brinco que de um lado temos um bolsonarista envergonhado, que é o Nunes, e do outro um bolsonarista não correspondido, que é o Marçal”.
Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, 44% dos eleitores de Bolsonaro escolhem Pablo Marçal em Sao Paulo, contra 30% do mesmo grupo que dizem que vão votar no atual prefeito Ricardo Nunes. Entre os que se declaram bolsonaristas, 46% escolhem Marçal.
Mas, para saber se Marçal realmente vai se firmar no campo da direita, é preciso aguardar próximas pesquisas, para avaliar se o crescimento é sustentado, dizem os analistas.
Ao decorrer da campanha, pode haver mudanças na intenção de voto na medida em que as propostas ficam mais conhecidas, os outros candidatos ficam mais expostos e os eleitores parem para pensar quem de fato vão escolher.
Mas, caso Marçal consiga se eleger prefeito, os dois cientistas políticos apostam que a família Bolsonaro terá que “recalcular a rota”. Outros analistas lembram que, mesmo se não sair exitoso, a experiência pode mostrar o potencial de super influenciadores em eleições majoritárias.
Camila Rocha lembra que Marçal já deixou claro que o objetivo dele é se tornar presidente.
“Acredito que, se ele se tornar prefeito, ele já vai estar mirando a eleição de 2026. E os Bolsonaro vão ter que lidar com isso”.
Já Claudio Couto acredita que a decisão de eleitores nesse pleito municipal pode mudar o jogo eleitoral em 2026, mas avalia que é preciso lembrar que o fenômeno Marçal só está sendo testado na cidade de São Paulo – ainda que o público do influenciador Marçal, com seus milhares de seguidores, seja nacional.
“Ele é alternativa aos bolsonarismo nesse momento em São Paulo, é o produto mais parecido àquilo que eles buscavam nesse campo. Não quer dizer necessariamente que vai ser um fenômeno nacional.”