- Author, Leandro Prazeres
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
- Twitter, @PrazeresLeandro
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Uma reunião promovida pelo G20 em Mato Grosso que tinha como um dos seus objetivos servir como vitrine do agronegócio sustentável do Brasil está tendo como pano de fundo uma tragédia climática de dimensões históricas.
O Brasil realiza, desde ontem (10/9), um encontro de ministros da agricultura de países do G20, grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia e a União Africana. O encontro foi levado para o um resort às margens do Lago de Manso, no município de Chapada dos Guimarães, um conhecido destino turístico de Mato Grosso.
O Estado é dono da maior produção de grãos e do maior rebanho bovino do país. O ministro da agricultura, Carlos Fávaro, deixou claro o que esperava da reunião.
“Vamos mostrar nosso potencial em produzir alimentos de forma sustentável”, disse na segunda-feira (9/9).
Mas a área onde a reunião acontece é uma das muitas do país que está encoberta por fumaça devido às queimadas recordes que atingem o país neste ano.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso é o campeão no ranking de focos de incêndio neste ano e imagens de satélite vêm mostrando nos últimos dias que enormes partes do Estado, inclusive a região de Chapada dos Guimarães, estão sofrendo com os efeitos das queimadas.
Segundo oficiais do governo, parte considerável desses incêndios está relacionada com o aumento da área de pastagens ou abertura de novas fronteiras agrícolas em biomas como o Pantanal, Cerrado e Amazônia.
De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a ocorrência de tantas queimadas na região escolhida para ser a vitrine do agronegócio brasileiro compromete a imagem do Brasil no exterior e serve de alerta. Moradores da cidade onde o evento está sendo realizado dizem esperar medidas para evitar a repetição do cenário atual.
“Vimos à fumaça cobrir a cidade inteira”
De acordo com o governo brasileiro, os principais tópicos da reunião de ministros da agricultura do G20 em Mato Grosso serão: sustentabilidade nos sistemas agroalimentares; ampliação do comércio internacional para a segurança alimentar e nutricional; reconhecimento da agricultura familiar e o papel de camponeses e povos originários para sistemas alimentares; e promoção da integração da pesca e aquicultura nas cadeias globais.
Mato Grosso foi cuidadosamente escolhido pelo governo brasileiro para sediar a reunião de ministros da agricultura do G20, segundo Carlos Fávaro.
Fávaro, que é senador eleito pelo Estado, disse que Mato Grosso seria uma espécie de “símbolo” do modelo de agricultura do país.
“Estamos no Estado com a maior produção agropecuária do Brasil, o maior rebanho bovino do Brasil […] mas que é o símbolo da preservação ambiental”, disse Fávaro durante a abertura da reunião na terça-feira (10/9).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tem o maior rebanho bovino do país, com 34 milhões de cabeças de gado. Além disso, é o maior produtor de soja, milho e algodão.
Especialistas em agronegócio colocam o Estado como o “celeiro” do Brasil.
Por outro lado, o Estado aparece como o segundo maior desmatador da Amazônia (atrás apenas do Pará) no período entre 2022 e 2023.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), neste intervalo, o Estado perdeu 2 mil quilômetros quadrados de florestas, uma área maior do que a da cidade de São Paulo.
A situação em 2024 aponta a permanência de um cenário ambiental e climático dramático.
O Estado é o campeão nacional em número de focos de incêndio com 36,4 mil registros entre o início do ano e segunda-feira (9/9), de acordo com o Inpe.
É o maior número para o mesmo período desde 2007. Em relação ao ano passado, o crescimento foi de 215%, praticamente o dobro do crescimento médio registrado no país, que foi de 107%.
O município de Chapada dos Guimarães, onde a reunião do grupo de trabalho está sendo realizada, vem sendo pesadamente atingido pelas queimadas.
Nos últimos dias, brigadistas e bombeiros se mobilizam para controlar duas frentes de incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, um dos maiores do Brasil.
Na semana passada, as duas frentes estavam prestes a se juntar, desafiando o trabalho das equipes lideradas pelo Instituto Chico Mendes de Meio de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em nota enviada à BBC News Brasil pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o órgão disse que o ICMBio vem combatendo os incêndios no parque com 54 pessoas, entre brigadistas, funcionários do parque, voluntários e um avião.
O parque fica a cerca de 40 km da sede do município de Chapada dos Guimarães.
Mesmo defendendo a escolha do local para a reunião, Fávaro reconheceu que as delegações internacionais teriam sido impactadas pelas queimadas em seus trajetos entre Cuiabá e o resort onde o encontro está sendo realizado.
“Apesar das dificuldades momentâneas que o Brasil vive, com as queimadas, com a mudança do clima, vocês puderam perceber isso no transcorrer, na estrada. Mas é uma região em que o turismo é muito importante”, disse. Algumas das queimadas que atingem o Estado vêm afetando o tráfego em rodovias como a que conecta Cuiabá ao local da reunião.
“Beleza virou carvão”
Moradores de Chapada dos Guimarães ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que não foram apenas os membros das delegações internacionais que foram afetados pelas queimadas.
“Aqui nós vimos a fumaça cobrir a cidade inteira. Isso afeta a vida dos moradores e também a economia local, já que alguns atrativos turísticos foram fechados devido aos incêndios”, disse a bióloga Juliana Bonanomi, que vive na cidade.
A antropóloga Suzana Hiroka disse ter visto impactos em diferentes áreas da cidade por conta das queimadas.
“Na saúde, as queimadas acentuaram as doenças respiratórias. Quem tem asma ou bronquite está muito mal. As pessoas têm muita dor de cabeça, rouquidão ou nariz escorrendo. As mulheres e crianças são muito afetadas”, disse.
Hiroka destacou ainda os efeitos das queimadas na economia da cidade.
“Chapada vive do turismo. As queimadas fizeram o parque fechar vários pontos. A cidade vivia da sua beleza cênica, mas agora, essa beleza virou carvão”, disse.
Contradição e oportunidade
O climatologista Carlos Nobre foi um dos autores do Quarto Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), que recebeu o Nobel da Paz em 2007, disse à BBC News Brasil que a realização da reunião dos ministros da agricultura do G20 é um momento de definição.
“Precisamos saber se o agronegócio vai continuar dizendo que não tem responsabilidade nenhuma no que está acontecendo no Brasil e no mundo ou se vamos ver alguma mudança nas políticas e uma indução de novas práticas que visem uma agricultura de baixo carbono”, disse à BBC News Brasil.
Segundo ele, historicamente, o agronegócio no Brasil tenta se eximir das responsabilidades pelas mudanças climáticas apesar de ser, na avaliação de Nobre, um dos principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa do Brasil.
Nobre afirmou que, em sua opinião, a realização desta reunião no atual contexto de queimadas fora de controle mancha a imagem do país.
“A imagem do país já está manchada porque todos os dados do Inpe apontam que essas queimadas foram causadas pela ação humana. Não estamos falando de descargas elétricas. Estamos falando de atividades criminosas”, disse o climatologista.
A diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, disse à BBC News Brasil esperar que as condições nas quais a reunião acontece possa sensibilizar os participantes. O ICV é uma organização não-governamental que atua na defesa do meio ambiente em Mato Grosso há 33 anos.
“É uma tragédia o que está acontecendo aqui, mas acho que é importante que essa reunião seja realizada nesse contexto, nessa espécie de ‘pé do vulcão’. É importante que os participantes vejam claramente os impactos das mudanças climáticas em um local que é sempre apontado como um exemplo do agronegócio”, disse à BBC News Brasil.
Para a moradora de Chapada dos Guimarães Suzana Hiroka, o suposto foco em sustentabilidade da reunião de ministros da agricultura é uma contradição.
“É uma contradição porque Chapada dos Guimarães é um município de monocultura. Temos aqui grandes plantações de soja, algodão e o pequeno agricultor que faz a agricultura mais sustentável praticamente não aparece”, disse.
Alice Thault resume suas expectativas em relação à reunião em meio à fumaça.
“Estou torcendo para que as questões sobre o clima estejam, de fato, na pauta do encontro e que essa experiencia, por assim dizer, imersiva, valha alguma coisa”, disse.
A BBC News Brasil enviou questionamentos aos ministérios das Relações Exteriores (MRE), da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA). Também foram enviadas questões à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema-MT).
Apenas o MMA respondeu informando sobre as condições do combate ao incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Nenhum dos outros órgãos enviou respostas.
O que é o G20
O G20 é um fórum internacional que reúne as principais economias do mundo, incluindo 19 países, a União Europeia e a União Africana. Oficialmente, o objetivo do grupo é promover a cooperação econômica global, comércio internacional e estabilidade financeira.
O grupo foi criado em 1999 e, mais recentemente, passou a abordar, também, temas relacionados às mudanças climáticas e segurança alimentar, duas das principais plataformas do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20 pela primeira vez e vem realizando uma série de reuniões preparatórias para a grande cúpula de chefes-de-Estado do grupo que será realizada entre os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.
O Grupo de Trabalho do G20 sobre Agricultura é uma subdivisão do G20 e a reunião realizada em Chapada dos Guimarães é uma das que antecedem a cúpula principal de novembro.