- Author, Rute Pina
- Role, Da BBC News Brasil
- Twitter, @rutepina
- Reporting from São Paulo
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O prefeito Ricardo Nunes (MDB) vai enfrentar Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo, jogando para o deputado a pressão de tentar reverter o favoritismo do atual mandatário, de acordo com as principais pesquisas de opinião pública.
Em um resultado apertado, com 99,97% das urnas apuradas, Nunes obteve 29,48% dos votos no domingo (6/10) contra 29,07% de Boulos, com menos de 30 mil votos de diferença.
O mapa da cidade dividiu-se em três, com Nunes dominando as votações majoritariamente na zona sul, Boulos na zona oeste e no extremo leste, e Marçal em parte das zonas leste e norte.
No segundo turno, a corrida eleitoral é curta: na prática, são apenas duas semanas de campanha, que começa 48 horas após a divulgação do resultado do primeiro turno, conforme as regras eleitorais.
E as pesquisas de intenção de voto mostram um cenário difícil para o deputado federal do PSOL.
Boulos aparece atrás de Nunes no segundo turno nas principais sondagens: Datafolha, AtlasIntel, Quaest e Real Time Big Data.
Analistas políticos apontam que é improvável o deputado federal reverter o favoritismo do atual prefeito.
A moderação e os votos do centro são decisivos para vencer eleições majoritárias, principalmente em São Paulo, que tem um eleitorado com perfil mais conservador.
Nesta eleição, há ainda um fator novo, Marçal e seus mais de 1,7 milhões votos identificados com a direita.
Boulos precisa expandir sua base eleitoral além da esquerda e conquistar o centro — incluindo os votos de mais de 717 mil eleitores que apoiaram Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB).
Tabata anunciou seu apoio ao PSOL, enquanto o PSDB de Datena afirmou apoiar Nunes.
Mas, para ser competitivo de fato, Boulos precisaria ter algum apelo que com quem declarou voto em Marçal, uma tarefa também considerada improvável por analistas.
A disputa entre o candidato do PSOL e o do MDB relembra a competição de Boulos contra Bruno Covas nas eleições passadas, quando ficou em segundo com 40,62% dos votos.
Segundo a última pesquisa do Datafolha, realizada às vésperas do primeiro turno e divulgada em 5 de outubro, Boulos teria 37% dos votos contra Nunes, que tem intenção de voto de 52%.
Na sondagem da Quaest do mesmo dia, o candidato do PSOL aparece com 33% dos votos. Seu adversário, 51%. Na AtlasIntel, o placar também é favorável ao MDB: 46% a 37%.
A seguir, entenda os principais desafios de Boulos no segundo turno das eleições municipais, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil, e o que poderia ajudá-lo a reverter o cenário.
Rejeição e posição à esquerda
Boulos enfrenta uma alta taxa de rejeição. Segundo o Datafolha, na pesquisa divulgada em 5 de outubro, 38% dos eleitores afirmam que não votariam nele de jeito nenhum para prefeito.
Já na Quaest, o índice de rejeição do deputado federal é ainda maior, atingindo 49%, de acordo com pesquisa publicada em 30 de setembro.
A rejeição de Boulos é mais forte entre evangélicos, homens e eleitores entre 35 e 59 anos.
Nunes, por outro lado, apresenta menor rejeição: 23% no Datafolha e 38% na Quaest.
Para o cientista político Sérgio Simoni Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP), a alta rejeição a Boulos se deve, em parte, à sua posição política à esquerda e sua ligação com o movimento dos sem-teto.
“Como representante de um partido mais à esquerda do PT, ele tende a enfrentar uma rejeição considerável, o que o impede de avançar entre eleitores mais moderados”, afirma o professor.
“A ligação com o MTST, visto por alguns como radical, reforça a percepção de que ele defende posições extremas.”
Historicamente, isso limita a aceitação de candidatos de esquerda por parte de eleitores conservadores.
“Embora Boulos tenha adotado uma postura mais moderada desde 2020, o fato de seu partido estar à esquerda do PT traz dificuldades. Isso já ocorria antes mesmo do crescimento do bolsonarismo no Brasil”, acrescenta Simoni.
“O PT, mesmo sendo um partido forte, sempre enfrentou um limite de rejeição entre eleitores mais conservadores. Para o PSOL, que está ainda mais à esquerda, esse teto é ainda mais baixo.”
O antipetismo é forte em São Paulo, lembra a cientista política Maria do Socorro Braga, professora e coordenadora do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Segundo pesquisa do Datafolha realizada em agosto deste ano, 36% dos eleitores da cidade avaliam o governo Lula como ruim ou péssimo. Nacionalmente, o índice de reprovação do governo petista é de 33%.
Nunes atrai esse segmento que rejeita o PT, explica a professora.
“A coligação de Nunes reúne a direita, o campo conservador e parte do centro, e pode contar com o apoio do bolsonarismo”, analisa Braga.
“Com Marçal fora da disputa, é provável que seus eleitores migrem para Nunes. Muitos desses eleitores são antipetistas e devem apoiar Nunes.”
Para superar o favoritismo de Nunes, Boulos precisaria se apresentar como um candidato mais moderado, o que pode ser difícil dentro de sua base e seu partido.
O professor Sérgio Simoni Jr., da USP, afirma que o desempenho de Marçal, que conquistou mais de 1,7 milhão, foi surpreendente.
“Esperava uma margem menor”, disse. Ele avalia que dificilmente Boulos receba partes destes votos.
“O mapa da votação do Marçal é parecido com o que tinha Paulo Maluf e Jânio Quadros, uma classe média baixa vota na direita mais tradicional em São Paulo. Esse é um perfil que seria difícil para o Boulos conquistar. Mesmo que os eleitores do Marçal tenham uma antipatia ou aversão ao Nunes, votar no Boulos é mais difícil ainda.”
Falta de experiência administrativa
Atualmente em seu primeiro mandato como deputado federal, após conquistar mais de 1 milhão de votos em 2022, Boulos nunca ocupou um cargo executivo, o que pode ser visto como uma fraqueza por parte de alguns eleitores. Ele tenta compensar essa falta de experiência com o apoio de Marta Suplicy, ex-prefeita com uma trajetória de gestão conhecida em São Paulo.
Para se manter competitivo no segundo turno, Boulos precisa reforçar sua capacidade de administrar a cidade, aponta Braga. “A falta de experiência administrativa pesa para parte do eleitorado, especialmente quando comparada a Nunes, que tem utilizado esse argumento constantemente”, afirma.
O atual prefeito tem a máquina pública a seu favor, o que lhe dá uma vantagem significativa em termos de recursos e visibilidade. Boulos enfrenta um adversário com acesso direto à prefeitura e a recursos financeiros para inaugurações e investimentos.
“Nunes pode usar a máquina pública ao seu lado, tanto a prefeitura quanto o governo estadual, o que lhe dá uma vantagem significativa. Ele pode ampliar o investimento em políticas voltadas para a periferia, algo que Boulos tentará equilibrar com o apoio do governo federal”, explica Braga.
“O segundo turno será uma disputa entre a força administrativa de Nunes e a capacidade de articulação política de Boulos”, completa.
Dificuldade em moderar discurso
Apesar do apoio de Marta Suplicy, Boulos ainda enfrenta dificuldades para mobilizar eleitores de baixa renda.
Nunes, por outro lado, tem investido em obras na periferia e conta com o apoio da máquina pública. Boulos precisará apresentar um plano concreto para a periferia e demonstrar que pode oferecer mais do que Nunes.
Além disso, o atual prefeito tem conseguido se posicionar como um moderado. Mesmo tendo endurecido o discurso no primeiro turno para atrair a direita bolsonarista, sua aliança política de 12 partidos, a coligação “Caminho seguro para São Paulo”, o empurra para o centro, o que dificulta Boulos agregar votos da centro-direita.
No entanto, Nunes pode ter grande dificuldade em conquistar o apoio da centro-esquerda e de eleitores de Tabata Amaral, diz a cientista política Maria Socorro Braga. O apoio de Jair Bolsonaro pode afastar esses eleitores, segundo a pesquisadora.
“O bolsonarismo tende a afastar eleitores que não estão nas franjas do bolsonarismo, como os eleitores de centro e, especialmente, os de centro-esquerda, como o pessoal do PSB. Esse é o ponto: o apoio ao Bolsonaro tem um custo, ele afasta setores mais moderados, progressistas e antipetistas não são bolsonaristas.”
O candidato a vice de Nunes também é uma carta ambígua: Ricardo de Mello Araújo, coronel aposentado da Polícia Militar, pode atrair o eleitorado mais ligado ao bolsonarismo, pode afastar o eleitorado de centro e direita tradicional, que teme a continuidade do bolsonarismo na cidade.
As possíveis armas de Boulos
Mesmo sem favoritismo, Guilherme Boulos tem munições que podem ajudar a não repetir o resultado de 2022, como o apoio de Lula e Marta Suplicy.
A ex-prefeita pode ser uma aliada ainda importante, trazendo o recall de suas realizações para a periferia. Na campanha, ela pode preencher a lacuna da falta de experiência de Boulos, diz Braga.
“Ela é uma das candidatas mais fortes nesse sentido, mas parece que essa estratégia foi pouco acionada. Mesmo quando foi utilizada, foi apenas em campanhas de rua, no cotidiano, sem grande destaque nas propagandas eleitorais que acompanhamos,”
Por outro lado, o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), argumenta que o apoio de Lula a Boulos tem impacto limitado.
“Ter o apoio de Lula talvez seja melhor ter do que não ter, mas temos que lembrar que Lula é muito rejeitado em São Paulo. Não podemos pegar a avaliação nacional do presidente, que também não está tão boa, e transferir isso para São Paulo”, diz. Nunes, por outro lado, conta com o importante apoio do governador Tarcísio Freitas e Jair Bolsonaro.
As cartas que Boulos pode explorar no segundo turno, segundo Praça, são as suspeitas de corrupção contra Nunes e o apoio do eleitorado de Tabata Amaral e Datena. A deputada federal do PSB ainda não declarou oficialmente apoio a nenhum candidato. Em 2020, ela apoiou Boulos em vez de Covas no segundo turno. Datena também ainda não se pronunciou.
“Uma possível arma para o Boulos no segundo turno é esmiuçar investigações e denúncias contra Nunes. E dar um aceno maior para o eleitorado da centro-direita, principalmente o apoio de Tabata Amaral”, diz.
Nunes é alvo de investigações no Ministério Público de São Paulo que apuram se o atual prefeito teria beneficiado aliados em contratos da prefeitura. Uma delas é a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), que administra 15 creches terceirizadas na capital paulista.
Uma reportagem da Agência Pública, publicada em julho, revelou que a prefeitura pagou R$ 7 milhões para a Sobei mesmo após ter recebido uma decisão judicial que dizia que o governo municipal não era obrigado a fazer o pagamento. Benjamin Ribeiro, um dos fundadores da entidade, frequenta a mesma loja maçônica que Nunes e financiou campanhas eleitorais passadas do prefeito.
A Polícia Federal também pediu à Justiça a abertura de um inquérito para investigar a relação do candidato à reeleição, na época em que era vereador da cidade, com duas empresas envolvidas no esquema da “máfia das creches”, a “Francisca Jacqueline Oliveira Braz Eireli” e a “Organização Social Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria)”.
A PF descreve o esquema como “desvio de valores públicos, inclusive verbas federais, que estaria sendo realizado por Organizações Sociais e Mantenedoras de Centros de Educação Infantil e creches que prestam serviços para a Prefeitura de São Paulo” e movimentou R$ 1,5 bilhão entre 2016 e 2020. Nunes nega todas as acusações.
Já o UOL publicou, em agosto deste ano, denúncias de superfaturamento em um contrato firmado pela gestão de Nunes na Operação Baixas Temperaturas. A reportagem aponta suspeitas em aquisições de água e alimentos destinados à população em situação de rua na cidade, como diferença de preços que passa de 400%.
Propaganda eleitoral
No primeiro turno, a campanha do Nunes no primeiro turno mostrou que tempo em TV e rádio ainda tem bastante importância, diz Sérgio Praça.
“Marçal mostrou que a internet pode simplesmente fazer um cara que era desconhecido ter 20% das intenções de voto, mas não dá para dizer que a campanha agora é só a internet. E o Nunes teve um aumento de intenção de votos no início do horário eleitoral”, afirma.
No segundo turno, ambos candidatos terão o mesmo tempo de campanha eleitoral obrigatória, 5 minutos. E Boulos pode se beneficiar do tempo de TV mais equilibrado no segundo turno, aposta Sérgio Simoni Jr., da USP.
“Em 2020, sua campanha chamou atenção por ser bastante inovadora, com memes e estratégias criativas. Agora, com mais tempo de TV, ele pode explorar esse lado criativo e destacar sua ligação com Lula, ao mesmo tempo em que reforça críticas a Nunes, como sua proximidade com Bolsonaro e as acusações de corrupção”, diz.
Simoni também lembra que a capital paulista oscila entre diferentes vertentes ideológicas, o que pode ajudar Boulos.
“Nas últimas eleições, por exemplo, Lula e Haddad venceram tanto Bolsonaro quanto Tarcísio na cidade. Embora tenham se passado dois anos, existe uma tendência recente de maior apoio ao campo progressista.”