- Author, Mariana Sanches
- Role, Da BBC News Brasil em Washington D.C.
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A menos de um mês das eleições presidenciais, os Estados Unidos começam a enfrentar nesta quarta, 9/10, o que pode ser o pior furacão em mais de cem anos no país.
Mas, ao menos na corrida eleitoral de 2024, a crise dos extremos climáticos parece não comover os dois presidenciáveis.
Em uma disputa que já incluiu discussões até sobre a falsa ingestão de cachorros por imigrantes haitianos, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump converteram a questão do aquecimento global em um não-assunto.
Até meados de setembro, nenhum dos dois candidatos tinha lançado um plano de governo específico para o clima. E o tema não tem aparecido em debates, entrevistas ou mesmo discursos.
‘Perfure, querido, perfure’
Historicamente desconectado das pautas verdes, Trump já chamou o aquecimento global de “farsa” e voltou à carga nesta campanha.
Em conversa com o bilionário Elon Musk, no X (ex-Twitter), ele disse, por exemplo, que a maior ameaça para o mundo “não é o aquecimento global, no qual o oceano vai subir um oitavo de polegada (menos de meio centímetro) nos próximos 400 anos”.
Na verdade, relatórios como o de 2022 do National Oceanic and Atmospheric Administration, do governo federal americano, estimam que o nível do mar poderia subir 60 centímetros ou mais até 2100, em decorrência das alterações no clima.
Trump tem argumentado que a pressão por medidas de mitigação contra os gases do efeito estufa são um modo de outros países tentarem prejudicar a economia americana. Durante seu governo, ele abandonou tratados de metas internacionais, como o Acordo de Paris.
“Drill, baby, drill”, algo como “perfure, querido, perfure”, virou um de seus bordões em comícios atualmente. É uma referência ao seu plano de explorar mais petróleo e gás, e converter o país “no maior produtor de energia do mundo”. Combustíveis fósseis são cientificamente reconhecidos como grandes responsáveis pelo aquecimento planetário.
Kamala e os votos do petróleo
Se Trump está onde sempre esteve, talvez a maior surpresa seja o quase silêncio democrata no tópico.
Em seu discurso na convenção do partido, em Chicago, há algumas semanas, Kamala deliberadamente evitou o tema.
Muitas “liberdades fundamentais estão em jogo” nesta eleição, disse, incluindo a “liberdade de respirar ar puro e beber água limpa e viver livre da poluição que alimenta a crise climática”.
A essa frase se resumiu a referência feita pela presidenciável ao tema do meio ambiente ao aceitar a nomeação como candidata.
Não que Kamala não tenha o que mostrar em relação às mudanças climáticas. Na verdade, a administração Biden, da qual ela é vice-presidente, aprovou no Congresso o maior pacote da história americana de estímulo econômico para energias limpas e renováveis e inovou ao designar uma autoridade climática para centralizar o tema, o Enviado Climático John Kerry.
Mas, ao contrário do que fez o próprio Biden durante a campanha de 2020, quando chegou a citar com preocupação as queimadas na Amazônia e propor um fundo para conservar o bioma durante um debate televisivo com Donald Trump, Kamala parece ter se convencido de que o tema não atrai a simpatia do eleitorado – ou ao menos não daqueles que ela ainda precisa conquistar.
É o que sugere uma pesquisa eleitoral feita pela empresa de opinião pública Blueprint com 2,3 mil eleitores, em julho passado.
O levantamento mostrou que, enquanto a democrata conseguia atrair atenção ao defender medidas duras de combate ao crime ou a redução da inflação, por exemplo, defender seu trabalho no combate ao aquecimento global tendia a diminuir a chance de que o eleitor a escolhesse.
Em uma eleição a ser definida por uma margem provável de apenas dezenas de milhares de votos, este é um risco que ela não estaria disposta a correr.
No cálculo de Kamala, sua base está assegurada – ainda que possam ficar frustrados com seu silêncio, não teriam opção em Trump.
Uma pesquisa do Instituto Pew Research publicada em 2023 mostrou que enquanto 78% dos eleitores democratas acreditam que “as mudanças climáticas são uma grande ameaça”, apenas 23% dos republicanos e 54% dos independentes disseram o mesmo.
E apenas 37% dos americanos no geral veem o combate ao aquecimento global como alta prioridade – apenas a 17a a aparecer em uma lista de 21 medidas.
O risco eleitoral é especialmente alto em lugares centrais da disputa, como a Pensilvânia, um dos Estados-pêndulo que deve definir o novo ocupante da Casa Branca e que pratica uma extração de petróleo conhecida como fracking.
O método consiste na injeção em alta pressão de líquidos em reservas subterrâneas de xisto de modo a abrir rachaduras nessas formações e liberar gases e petróleo ali enterrados.
A prática é considerada super poluente não só por liberar gases do efeito estufa, mas por gerar enorme quantidade de líquidos descartados e impacto no meio ambiente.
Anos atrás, Kamala Harris chegou a se posicionar contrariamente à exploração de petróleo por fracking na Pensilvânia, mas recuou porque o tema se tornou central para o eleitorado da área, altamente disputado por republicanos e democratas. Trump tem dito que, se ela for eleita, abrirá “guerra contra a produção de energia” no país.
Em falas públicas, Kamala tem optado por mencionar, por exemplo, que é dona de uma arma de fogo e que não hesitaria em atirar caso alguém invadisse sua propriedade – uma pauta cara à base do republicano Donald Trump e menos conectada às demandas históricas de democratas, que buscam restrições aos acessos a armas.
E escalou outros integrantes do partido Democrata para tentar assegurar a seus eleitores que a falta de menções às mudanças climáticas nas falas da candidata não significam que ela abandonou a agenda.
“Estou totalmente confiante de que quando ela estiver em posição de efetuar mudanças positivas, ela o fará”, disse o governador democrata de Washington Jay Inslee, um dos maiores advogados do tema dentro do partido. Democratas citam ainda o histórico de medidas verdes do candidato à vice Tim Walz, governador de Minnesota, como prova de que, chegada a hora, Kamala cometerá estelionato eleitoral, tomando medidas ambientais que não prometeu durante a campanha.
Nesta quarta, ao lado do presidente Biden, que cancelou uma viagem à Alemanha para supervisionar diretamente os esforços contra a devastação causada pelo furacão Milton, a democrata mais uma vez evitou comentar sobre mudanças climáticas. Concentrou-se em pedir que os americanos em áreas possivelmente afetadas deixem suas casas e busquem abrigos seguros.