- Author, Fernanda Paúl
- Role, BBC News Mundo
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Um ataque violento a uma emissora de televisão, sequestros de policiais, fugas de importantes líderes criminosos das prisões e incursões de grupos armados em universidades são alguns dos episódios que atingiram o país nos últimos dias.
Isso tudo levou o presidente equatoriano, Daniel Noboa, a declarar a existência de um “conflito armado interno” no país, pedindo às Forças Armadas que ajudaessem a restabelecer a ordem.
A crise de segurança no Equador agravou-se especialmente nos últimos 4 anos.
Em 2023, o Equador bateu o seu recorde histórico de homicídios com 7.878, um aumento drástico em comparação com os 1.187 registrados em 2019.
O país se tornou um importante centro regional de armazenamento, processamento e distribuição de drogas, o que fortaleceu as mais de 20 facções criminosas que nele operam.
Diante desta situação complexa, o que outros países, como o Brasil, podem aprender com o que está acontecendo hoje no Equador?
1. Maior (e melhor) presença estatal
Especialistas consultados pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, concordam que uma das coisas mais importantes para impedir o avanço do crime organizado é a presença do Estado em diferentes territórios.
“No Equador, temos um Estado que evaporou, que se tornou invisível ou que, quando está presente, está presente de forma negativa”, explica Douglas Farah, consultor e analista de segurança nacional, que estuda a América Latina há mais de três décadas.
“É fundamental que os países redesenhem os seus sistemas para que o Estado seja visto como um agente positivo”, acrescenta.
Pablo Zeballos, ex-oficial de inteligência chileno e consultor internacional sobre crime organizado, tem opinião parecida.
“O controle territorial por facções criminosas anda de mãos dadas com o abandono do Estado. E isso pode gerar condições extremamente dramáticas, onde estes grupos fazem acordos com as estruturas de governo”, diz.
Para conseguir uma maior presença do Estado, o investimento no setor público é fundamental, em áreas como a educação, o emprego e a saúde, afirmam os especialistas.
E quando esses fatores falham, a criminalidade aumenta.
É o que afirma o Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), que, em um relatório sobre a caracterização do crime organizado no Equador, afirma que “a pobreza, o desemprego e a desigualdade”, que sofreram “crescimento sustentável” nos últimos anos, “têm uma relação causal com o nível de crime e violência nas cidades”.
“A promoção do emprego é uma ação que combate o crime, porque melhores padrões de vida estão correlacionados com menor criminalidade”, disse a pesquisadora boliviana Diana Balderrama à BBC News Mundo.
Por outro lado, para Luis Córdova Alarcón, coordenador do programa Pesquisa, Ordem, Conflito e Violência da Universidade Central do Equador (UCE), a presença do Estado na regulação da economia dos países latino-americanos também é importante.
Ela considera que um processo de “encolhimento do Estado” ao longo das últimas três décadas agravou a situação e acelerou a estruturação do crime organizado, facilitando “lavagem de dinheiro e fluxo de dinheiro sujo” em toda a região.
2. Controle da corrupção
Para os especialistas, é importante que os países latino-americanos compreendam que o crime organizado “opera sempre na intersecção entre agentes estatais, criminosos e setores econômicos”.
“Portanto, qualquer estratégia para neutralizar a presença de mercados ilícitos e estruturas criminosas deve apontar nestas três direções”, afirma Luis Córdova Alarcón.
No caso do Equador, os especialistas dizem que as facções se tornaram onipresentes na estrutura do país, expandindo os seus tentáculos não só na sociedade civil, mas também nas próprias instituições.
Em meados de dezembro, o Ministério Público equatoriano lançou uma megaoperação contra a corrupção e o tráfico de drogas em diferentes partes do país.
A operação Metástase, como foi chamada, levou à prisão de 29 pessoas, entre elas juízes, promotores, policiais, advogados e outras pessoas ligadas ao crime organizado.
Os entrevistados pela BBC News Mundo dizem que é importante que os governos latino-americanos criem um mecanismo de supervisão das forças de segurança e do Estado.
“O Equador nunca fez isso. O Equador usou a força pública sabendo que há ‘narcogenerais’ na polícia ou que temos criminosos infiltrados nas Forças Armadas… então o resultado é óbvio”, diz Córdova Alarcón.
Para Pablo Zeballos, a corrupção é uma das “condições mais importantes” para o crescimento do crime organizado.
“Essas estruturas não crescem do nada. Eles crescem porque há algo que lhes permitiu crescer ou porque ninguém prestou atenção nelas, intencionalmente ou não”, afirma.
3. Melhor investimento nos sistemas prisionais
No Equador, as prisões são o epicentro da crise de segurança pública.
A realidade de outros países latino-americanos, como o Brasil ou a Venezuela, não é muito diferente.
E as diferentes penitenciárias criadas pelos Estados para melhorar a segurança dos que estão fora deles tiveram o efeito oposto ao pretendido: tornaram-se centros de comando de importantes organizações criminosas.
O paradoxo foi exposto há poucos dias em Guayaquil, onde a fuga da prisão de Adolfo Macías, o “Fito”, líder de um dos grupos criminosos mais perigosos do Equador, desencadeou uma onda de tumultos nas prisões e ataques fora delas.
Os especialistas concordam que existe uma urgência para os países latino-americanos investirem em prisões melhores, com maior sistema de vigilância.
Mas eles alertam que o investimento não é apenas sinônimo de melhor infraestrutura.
“Podemos ter prisões modernas, mas se isso não for acompanhado de investimento em recursos humanos qualificados e mecanismos de controle adequados, teremos uma perda. É como dar um hotel 5 estrelas ao grupo criminoso”, afirma Pablo Zeballos.
“As prisões continuam sendo uma prioridade muito baixa para a grande maioria dos países latino-americanos porque se acredita que os criminosos não têm direitos. Mas a verdade é que se não criarmos boas condições, as prisões acabam por se tornar nascedouros de violência e criminalidade”, afirma Douglas Farah.
Luis Córdova Alarcón alerta que é preciso ter cuidado com os benefícios penitenciários que são concedidos aos líderes de gangues em troca de informações.
“No Equador, as prisões tornaram-se trincheiras do crime organizado graças à política estabelecida pelo governo e pela polícia para obter informações sobre o tráfico de drogas”, explica.
“Em troca de informações sobre o movimento das drogas, eles deram benefícios aos líderes criminosos.”
“E, claro, o governo teve sucesso na apreensão de drogas, na desintegração de gangues, mas ao mesmo tempo as estruturas de gangues nas prisões tiveram sucesso porque continuaram acumulando fortunas e privilégios”, ressalta.
4. Fortalecimento da polícia
Na América Latina, militares têm sido utilizados para restaurar a ordem diante de várias crises de segurança.
O Equador faz isso agora, mas países como Brasil, México e Colômbia também são exemplos disso.
Para especialistas, uma das razões pelas quais os governos latino-americanos têm recorrido tão frequentemente a esta via é devido à percepção de fraqueza das suas forças policiais, que é alimentada por casos de corrupção e profundas crises de representatividade.
“A polícia na América Latina, em geral, tem sido caracterizada pela corrupção e pela fraqueza no enfrentamento ao tráfico de drogas”, diz David Saucedo, especialista mexicano em segurança pública.
É o que acontece hoje no Equador, onde vários agentes policiais foram recentemente demitidos.
Na opinião dos especialistas, este é um fator fundamental para fortalecer o crime organizado.
“Ter uma força policial saudável, capaz e treinada é um eixo fundamental de qualquer política de combate à violência”, afirma Douglas Farah.
“Vimos que quando as pessoas pensam que ao chamar um policial vai chegar um ladrão é porque o sistema falhou”, diz.
Pablo Zeballos afirma que não só é importante apoiar e formar a polícia, mas também “punir drasticamente os policiais que, quebrando o seu juramento, cometem crimes e permitem que estes espaços sejam contaminados”.
Por sua vez, Luis Córdova Alarcón afirma que o problema da segurança não pode ficar apenas nas mãos da polícia ou dos militares.
“Essa questão deve envolver mais fortemente a população civil. Caso contrário, acabam sendo os militares e a polícia que ocupam o debate sobre segurança e essa é uma armadilha na qual o Equador caiu e na qual estão caindo vários países latino-americanos”, alerta.
5. Não subestimar o poder das facções locais
Segundo o presidente do Equador, Daniel Noboa, hoje operam no país mais de 20 gangues criminosas que seu governo classifica como “organizações terroristas”.
Eles travam uma luta interna pelo controle das rotas lucrativas do tráfico de drogas que existem no território equatoriano.
Entre as gangues mais conhecidas estão os Choneros, liderados pelo foragido conhecido como “Fito”, os Tiguerones, os Lobos e os Lagartos.
E embora hoje muitos latino-americanos tenham ouvido o nome destes grupos, até poucos anos atrás eles não apareciam amplamente no debate público.
“Acho que uma das grandes lições aprendidas com o caso equatoriano é que não devemos subestimar a capacidade do próprio crime local”, diz Pablo Zeballos.
“Um erro que o Equador cometeu foi dizer: ‘isto são apenas gangues’. E ainda são gangues, mas são capazes de ter organizações muito fortes”, acrescenta.
Na mesma linha, os especialistas concordam que, se não forem levados a sério, os criminosos receberão mais poder e ferramentas para crescer.
“Na América Central, as ‘maras’ foram ‘apenas gangues’ durante quase duas décadas. Até que começaram a se organizar e agora são um grupo do crime organizado muito forte”, diz Douglas Farah.
O pesquisador acrescenta que isso não significa que não se deve ficar alerta a possíveis entradas de criminosos vindos de outros países.
Por isso, diz ele, deve haver um controle adequado das fronteiras e uma política de colaboração entre países vizinhos.
Mas os especialistas concordam que hoje, com o acesso tecnológico, os modelos criminais bem-sucedidos de outros países são facilmente replicáveis.
“As facções estão sempre aprendendo”, alerta Pablo Zeballos.