- Author, Juna Moon
- Role, BBC Coreia
O jovem de 30 anos pensa que isso o ajudará a sobreviver nas primeiras 72 horas caso o impensável aconteça. Além de água e alimentos de emergência, como arroz cozido desidratado, ele também separou um mapa e uma bússola para um cenário em que redes de telefonia móvel e transporte público deixem de funcionar.
Ele fez de tudo para incluir um colete de proteção e uma máscara de gás. Os militares podem não ter equipamento de proteção suficiente, argumenta ele, por isso é melhor para ele estar preparado, especialmente como um dos 3,1 milhões de reservistas.
“Moro no coração de Seul. A ideia de que tudo poderia desaparecer com apenas um míssil me aterroriza”, diz o estudante de pós-graduação.
A capital sul-coreana fica a cerca de 50 quilômetros da zona desmilitarizada estabelecida em 1953, quando foi assinado o acordo de armistício da Guerra da Coreia.
Em abril, afirmou ter testado com sucesso um novo míssil hipersônico de combustível sólido que poderia atingir Guam, um território insular dos EUA na Micronésia.
Kim faz parte de um pequeno, mas crescente número de jovens sul-coreanos que têm se preparado para uma potencial guerra com o Norte.
Cerca de 900 pessoas aderiram a pelo menos quatro grupos de preparação no Kakao, o aplicativo de mensagens mais popular da Coreia do Sul.
Separadamente, uma comunidade preparatória chamada “The Survival School – Daum Café” (A Escola de Sobrevivência – Daum Café, em tradução literal), que funciona desde 2010, tem mais de 25.000 membros.
O recente aumento no número de preppers (algo como “preparadores” em português) destaca uma ansiedade crescente sobre as relações entre as Coreias à medida que o Norte se torna mais agressivo.
Em janeiro, o líder norte-coreano Kim Jong-un classificou o Sul como seu inimigo número um, declarando que a reunificação pacífica das duas Coreias tinha se tornado impossível.
Foi uma medida “sem precedentes”, diz Nam Sung-wook, professor de Economia Política na Universidade da Coreia. Significa que o Norte poderia recorrer ao uso de armas nucleares contra o Sul, uma vez que já não vê o Sul como seu parente étnico.
Mais de 75% dos entrevistados disseram estar ansiosos com a situação de segurança, de acordo com uma pesquisa do KBS Public Media Research Institute. Essa taxa cresceu 19 pontos percentuais em relação a 2021, quando a pesquisa foi realizada pela primeira vez.
A maior exposição a conflitos globais, como as guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas, também tornou os jovens coreanos mais sintonizados com o crescente risco geopolítico, diz Woo Seong-yeop, administrador do grupo “The Survival School – Daum Café” .
Um dos grupos de bate-papo mencionados acima foi criado quando a guerra na Ucrânia começou. O número de membros aumentou dez vezes, para 500, em dois anos.
“Nunca pensei em me preparar para uma guerra na minha vida. Mas olhe ao redor do mundo agora. Várias guerras já estão em andamento”, diz o personal trainer Park Hwi bin, que também completou um curso de treinamento em RCP (ressuscitação cardiopulmonar) no ano passado.
Alguns membros querem deixar o país antes que ocorra qualquer conflito com o Norte. Aprender línguas, poupar dinheiro e adquirir competências faz parte da sua estratégia para garantir a residência em países considerados mais seguros.
“Ouvi dizer que posso conseguir uma residência permanente no Paraguai por cerca de 10 milhões de won (R$ 37.500)”, escreveu um membro.
Outro prepper que pediu anonimato diz que está construindo um bunker sob sua casa de dois andares na cidade de Hwaseong. Reforçado com concreto grosso, o bunker será equipado com geradores de energia e equipamentos de cozinha para que possa ser usado como abrigo de longo prazo para sua família, incluindo seu filho de seis anos.
Ele comprou o terreno há dois anos. Está longe da base militar dos EUA em Pyeongtaek – que poderia se tornar um alvo de bombardeio no pior cenário.
A maioria dos coreanos considera os ‘preppers’ excessivamente sensíveis, e até a mãe de Kim o repreendeu por gastar “dinheiro desnecessário” em kits de sobrevivência.
“Mesmo que as relações entre as Coreias do Norte e do Sul não sejam boas hoje em dia, nunca me preocupei com a guerra e estou apenas vivendo a minha vida como sempre”, disse Lee Young-ah, um comerciante de 28 anos, à BBC.
A Coreia do Sul tornou-se uma democracia próspera e vibrante, embora as duas Coreias ainda estejam tecnicamente em guerra.
Décadas de paz tornaram a maioria dos sul-coreanos “apáticos à guerra” e isso pode levar à “complacência”, diz Woo.
Ele pensa que a opinião pública em relação aos preppers está mudando gradualmente devido à crescente tensão geopolítica.
Kim se defende. “Quando você embarca em um avião, eles não fornecem equipamentos de segurança? Comprar esses equipamentos de segurança é como colocar o cinto de segurança.”
É como comprar um seguro, argumenta Park. Mas, como acontece com outras formas de seguro, ninguém quer de fato ter que utilizá-lo.