Haymone Neto
RECONHECIMENTO – Frevo é patrimônio imaterial nacional e mundial. Foto: Roberta Guimarães
A palavra “patrimônio” remete a bens e heranças de uma pessoa, de uma empresa ou até de um ente público. O termo também pode se referir a edificações históricas, tão bem representadas pelas casas coloniais e igrejas barrocas em Pernambuco.
Este tipo de patrimônio, chamado de material, tem uma longa história de proteção, que remete aos anos 1930, no caso da legislação federal, e aos anos 1970, no âmbito das leis estaduais.
Todavia, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a reconhecer também a existência do patrimônio imaterial. No mesmo sentido, em 2018, Pernambuco criou sua própria legislação sobre o assunto.
Talvez o exemplo mais conhecido de patrimônio cultural imaterial pernambucano seja o frevo, reconhecido nacionalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2007 e, em nível mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2012.
Veja a lista de bens registrados como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco
SABERES – Marcelo Renan, da Fundarpe, explica que patrimônio imaterial abrange conhecimentos e técnicas. Foto: Jan Ribeiro / Secult PE – Fundarpe
“O patrimônio material são as edificações, os grandes palácios, as casas, praças públicas, obras de arte, monumentos… São bens palpáveis, tangíveis, que estão nas cidades e nos centros de documentação”, explica o gerente de Patrimônio Imaterial da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Marcelo Renan.
“Já o patrimônio imaterial diz respeito ao saber. São as práticas culturais, as celebrações, os rituais religiosos, a forma de fazer determinado ofício. São conhecimentos e técnicas. E esse saber não tem um único dono. Ele é coletivo”, complementa.
A Lei Estadual nº 16.426, que instituiu o Sistema Estadual de Registro e Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, define como patrimônio cultural imaterial os saberes, conhecimentos e modos de fazer tradicionais; as festas e celebrações; as formas de expressão literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas e, por fim, os lugares ou espaços de de concentrações de práticas culturais coletivas.
Até agosto de 2024, cinco bens haviam obtido, por solicitação da Alepe, o registro estadual de patrimônio imaterial (ver quadro abaixo).
Em nível estadual, também estão registrados como patrimônios imateriais:
PROTEÇÃO – Festa do Morro da Conceição, no Recife, obteve registro por solicitação da Alepe. Foto: Felipe Souto Maior – SecultPE/Fundarpe
O sistema estadual que regulamenta o patrimônio imaterial de Pernambuco prevê dois momentos: o registro e a salvaguarda. O registro consiste na identificação e na produção de conhecimento sobre o patrimônio imaterial. Para o registro, existem quatro livros: o dos Saberes, o das Celebrações, o das Formas de Expressão e o dos Lugares. A salvaguarda, por sua vez, compreende as medidas para garantir a viabilidade do patrimônio imaterial.
“O sentido da política de patrimônio imaterial é salvaguardar, é garantir condições e meios, sejam eles econômicos ou materiais, para que esse grupo de pessoas continue praticando esse saber cultural”, explica Marcelo Renan.
A abertura de processo para o registro do patrimônio cultural imaterial pode ser requerida por vários órgãos e entidades. São eles: a Secretaria de Cultura do Estado, o CEPPC, o Conselho Estadual de Política Cultural (CEPC), a Fundarpe, as prefeituras e câmaras municipais, entidades e associações civis e a Alepe. Os cidadãos também podem solicitar o início do trâmite.
Caso requerimento inicial seja aceito, a Fundarpe faz um inventário do bem cultural e manda para o Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural
Os requerimentos, com a respectiva documentação, são enviados à Secretaria de Cultura do Estado, que tem 30 dias para acatar ou não o requerimento, com base em informação técnica preliminar elaborada pela Fundarpe.
Caso o requerimento seja acatado, a Fundarpe inicia a elaboração de um inventário e um parecer técnico. Esta etapa é longa e complexa, e sua conclusão leva em média um ano. Em seguida, os documentos são remetidos ao CEPPC.
No conselho, o processo é semelhante ao de apreciação de uma lei na Alepe: um relator é designado entre os conselheiros, que elabora um parecer e o submete aos demais membros do colegiado. Se for aprovado, o CEPPC produz uma resolução e remete-a à Secretaria de Cultura. Esta, por sua vez, encaminha a resolução à governadora do Estado para homologação, o que ocorre por meio de decreto.
Internamente, a Alepe tem regras próprias para aprovar a abertura de um processo de registro de patrimônio cultural imaterial. De acordo com o Regimento Interno, os pedidos são feitos por meio de resolução. Passam inicialmente pela apreciação das comissões de Justiça e de Educação. No Plenário, são votados em um único turno e aprovados por maioria simples. O requerimento deve conter informações específicas sobre o bem imaterial, como os grupos sociais envolvidos, o local, o período e a forma.
A aprovação da resolução, entretanto, não garante que o bem vai se tornar patrimônio cultural imaterial, já que o registro depende da aprovação do CEPPC. As chances aumentam quando, em torno da proposta do deputado, já há uma mobilização social.
GASTRONOMIA – Registro do bolo de noiva pernambucano partiu da Alepe. Foto: Jan Ribeiro / Secult PE – Fundarpe
Um exemplo é o do bolo de noiva. A Resolução nº 1.744, que indicou a iguaria ao registro, foi aprovada em 2021, a partir de um projeto do deputado Fabrizio Ferraz (Solidariedade). “Neste caso, já havia um processo de patrimonialização antes da indicação da Alepe, iniciado por entidades como o Senac”, explica Marcelo Renan. Em 2023, o CEPPC finalmente conferiu o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco “às práticas socioculturais associadas ao Bolo de Noiva Pernambucano”. No ano seguinte, a governadora Raquel Lyra homologou a decisão do colegiado.